A ciência da inclusão #06 - Coluna de Felipe Gruetzmacher

O que a pesquisa científica diz sobre inclusão de pessoas autistas?

O Colunista ASID Felipe Gruetzmacher entrevistou a advogada, professora e pesquisadora Débora Cunha Romanov para conhecer mais sobre o estudo desenvolvido por ela na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Afinal, em linhas gerais, a pesquisa trata sobre inclusão de pessoas autistas no mercado de trabalho.

Confira a entrevista:

 

  1. Qual é seu tema de pesquisa de mestrado? Você poderia descrevê-lo?

Resposta: O tema do projeto de pesquisa de Mestrado é a neurodiversidade nas organizações e os desafios à empregabilidade de profissionais autistas. O objetivo geral é entender quais seriam tais desafios, a partir de uma visão integrada e estruturada da questão, que será desenvolvida com base nos relatos das próprias pessoas autistas; de profissionais da área de Recursos Humanos, Gestão de Pessoas e de Programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI); e de profissionais que trabalham em instituições ou organizações que capacitam pessoas autistas e/ou oferecem consultoria para programas de neurodiversidade. A análise será feita de acordo com a proposta do modelo social da deficiência e da própria neurodiversidade.

Importante destacar que também obtivemos a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie previamente ao início das entrevistas.

  1. Qual é a sua motivação para iniciar esse tema de pesquisa?

Resposta: Tenho uma relação pessoal e muito profunda com o autismo, em razão do meu irmão mais novo, autista nível 3 de suporte, diagnosticado nos primeiros anos de vida. Além de uma pessoa incrível, ele é o meu melhor amigo e temos uma grande conexão desde o seu nascimento. 

Já com relação à neurodiversidade em si, acabei me interessando e iniciei leituras e pesquisas na área por haver outras pessoas com diferentes neurodivergências na minha família; logo, fazia sentido entender como as pessoas podem ter diferentes formas de pensar e agir – e que não há nada de “errado” com isso. 

Também acredito que o fato de a minha mãe trabalhar há cerca de 30 anos na área da deficiência visual, além de ser uma pesquisadora da temática, tenha influenciado minhas escolhas.

Por fim, ao entrar no Mestrado, cursei a disciplina Gestão Inclusiva da Diversidade, com a Profª Drª Darcy Hanashiro, minha orientadora atualmente, e percebi que teríamos a oportunidade de desenvolver o projeto de pesquisa que mencionei anteriormente como minha dissertação de Mestrado.

  1. Quais seriam as melhores práticas para Universidades e empresas poderem acolher pessoas autistas? 

Resposta: De acordo com o que eu tenho estudado e ouvido dos participantes da nossa pesquisa nas entrevistas realizadas, acredito que as melhores práticas para que universidades e organizações possam acolher pessoas autistas deveriam ter como base dois principais pilares: (i) conhecimento – conhecer cada vez mais a respeito do autismo, da neurodiversidade e das pessoas autistas de forma geral (que seria talvez um conhecimento “mais técnico”, com o objetivo de eliminar mitos e reduzir estigmas associados ao autismo); e (ii) diálogo – estabelecer um diálogo constante com pessoas autistas, para de fato ouvir e compreender o que querem e do que precisam, tanto no ambiente acadêmico quanto no profissional. Chamei aqui de “pilares”, porque acredito que a partir deles as universidades e organizações poderiam propor diferentes medidas, práticas e políticas voltadas para pessoas autistas e para a neurodiversidade como um todo, dependendo do seu porte, orçamento e outros aspectos particulares de cada instituição. Também poderiam implementar as adaptações necessárias para tornar os ambientes das universidades e organizações mais acessíveis a pessoas autistas, viabilizando sua real inclusão.

  1. Como estas pesquisas cientificamente validadas podem se aproximar do terceiro setor e dos empreendimentos sociais para que a inclusão socioeconômica se efetive?

Resposta: Acredito que as pesquisas cientificamente validadas podem nos fornecer evidências a respeito de diferentes hipóteses ou proposições que estão sendo trabalhadas pela pessoa que conduz a pesquisa, dependendo do tipo de estudo realizado. Com base em tais dados e resultados, algo que inicialmente foi pensado apenas de modo “teórico” pode começar a ser discutido em termos mais práticos e adaptado a diferentes propostas de atuação, como as organizações do terceiro setor e os empreendimentos sociais.

  1. Como a Universidade pode dar espaço para pessoas autistas relatarem sobre as dificuldades, desafios rotineiros e a experiência pessoal de ser uma pessoa autista? Essa escuta ativa pode gerar quais ideias para pesquisas científicas?

Resposta: Apesar de não ser o foco da nossa pesquisa, aspectos da vida acadêmica acabam tendo relação com a empregabilidade e, portanto, surgem em alguns relatos dos participantes entrevistados. Temos notado o aumento da criação de “coletivos autistas” em diversas universidades, uma forma de organização dos próprios estudantes autistas para defesa dos seus direitos e promoção de representatividade das pessoas autistas nas universidades. Dentre as atividades conduzidas por estes coletivos, destacamos a produção de cartilhas e guias para conscientização a respeito do autismo, principalmente de professores e outros profissionais das instituições de ensino.

Além disso, algumas universidades desenvolvem programas voltados para orientação e apoio psicopedagógico de alunos com deficiência, como é o caso do PROATO – Programa de Atenção e Orientação aos Discentes da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Recentemente, foi divulgada nas redes sociais do PROATO a primeira reunião com o Presidente da “@autistasbrasil”, com o objetivo de discutir formas de contribuição para a inclusão de estudantes autistas na universidade.

Acredito que os dois pilares que mencionei acima (conhecimento e diálogo) aplicam-se a estes exemplos.

No que diz respeito a pesquisas científicas, essas trocas entre estudantes autistas e universidades poderão oferecer campo para estudo dos desafios enfrentados pelas pessoas autistas quanto à vida acadêmica, tais como formato do processo seletivo (vestibular); escolha do curso; processo de avaliações; carga horária de disciplinas; acompanhamento de aulas (presencialmente ou de forma remota); conciliação entre vida acadêmica e profissional; entre outros aspectos. Dados científicos poderão auxiliar as universidades a tornarem o ambiente acadêmico mais acessível para estudantes autistas, sem que percam o mesmo conteúdo ofertado aos demais alunos ou sejam privados da experiência acadêmica.

Agradeço especialmente a advogada, professora e pesquisadora Débora Cunha Romanov por conceder a entrevista.

Felipe Emilio Gruetzmacher 
ASID Brasil – 2024

Sobre o autor:

Felipe Gruetzmacher é um escritor que acredita muito no potencial de combinar ciência, esforços empresariais e projetos sociais. Tem interesse em estudar como essas três partes podem colaborar entre si.
Se você é algum empresário, organização do terceiro setor ou cientista e quer cocriar conosco, deixe seu comentário!

 

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