Inovação Social #02 - Coluna de Leonardo Mesquita

Quero compartilhar na coluna deste mês uma experiência que tive ao conversar com uma parceira da Comunidade Conexões, a comunidade da ASID Brasil que reúne lideranças e profissionais que atuam na causa da pessoa com deficiência em todo o Brasil.

Essa parceira solicitou uma agenda comigo para compartilhar um desafio que ela estava vivenciando na organização onde atua. Esse convite veio logo após a nossa Oficina de Inovação Social, onde fizemos algumas reflexões sobre demandas sociais, geração de ideias e modelagem de projetos. 

Ela trouxe a seguinte observação: muitas mulheres que frequentam a instituição, todas elas mães de alguma pessoa com deficiência atendida naquele local, passavam horas na organização aguardando o fim dos atendimentos dos filhos, interagiam pouco entre si, ficavam muito tempo no celular, entre outros comportamentos. A partir dessa observação, ela me perguntou sobre o que poderia ser feito para que essas mulheres utilizassem melhor esse tempo. Ela estava cheia de ideias, como por exemplo, criar alguma formação, algo relacionado à geração de renda, trazer alguma nova ocupação enquanto elas aguardavam os atendimentos.

Achei interessante essa observação e a preocupação dela em criar novas oportunidades para essas mulheres. Mas senti a necessidade de avançarmos em um outro sentido: Essa necessidade é de quem? É uma necessidade da pessoa observadora ou do público observado?

Vou aprofundar com você essa questão.

Necessidade de quem?

Quando atuamos com esse tipo de observação de demandas sociais, não podemos esquecer que estamos observando sob a ótica de nossos vieses. Por esse motivo, neste exemplo, é interessante questionar se a necessidade é daquelas mulheres ou na verdade é uma demanda ou necessidade da pessoa que observa e lidera o projeto social. 

Esse é um ponto de partida fundamental, onde nos conectamos com uma nova demanda. O próximo passo é investigar melhor esse contexto.

Começamos então a pensar sob a perspectiva do público observado. Com isso, chegamos a algumas hipóteses que compartilho a seguir.

  1. Por que essas mulheres ficam na instituição todo esse tempo? Há mulheres que apenas deixam os filhos na instituição e seguem para outros lugares e atividades?

    A líder da instituição compartilhou que o contexto dessas famílias é de vulnerabilidade socioeconômica. Assim, elas utilizam um transporte público e gratuito que elas têm direito para ir até a organização. Para muitas delas, voltar logo em seguida não é uma opção, já que isso teria um custo extra. Com isso, a permanência dessas mulheres se dá pela necessidade de utilizar o ônibus gratuito que fica disponível apenas no final do período da manhã ou da tarde.

    Então chegamos a uma nova hipótese de que talvez algumas dessas mulheres podem não desejar estar o tempo todo naquele local. Será que elas gostariam de usar esse tempo em outras atividades, em outros lugares?

  2. Considerando a hipótese de que elas não têm outra escolha a não ser esperar o término dos atendimentos, o que essas mulheres pensam ou sentem de fato? Elas foram ouvidas em algum momento?

  3. Por outro lado, em um contexto onde os filhos estão bem acompanhados pelos profissionais da instituição, será que esse não é um dos poucos momentos em que elas podem descansar ou usar o tempo para acessar a internet, aplicativos, conversar com amigos e familiares? Será que ao invés de ocupar o tempo com formações ou trabalho, um certo descanso momentâneo não é o melhor dos cenários?

    A partir dessas novas questões, começamos a gerar novas ideias. Por exemplo, a ideia de trazer atividades focadas no bem estar, saúde, no descanso, rodas de conversa. Ainda, considerando o desafio com relação ao deslocamento dessas mulheres, comentamos a possibilidade de um projeto focado em transporte gratuito para elas, diminuindo o tempo de permanência da organização. Perceba que abrimos novas possibilidades aqui.

    Concluindo a conversa com ela, compreendemos que, antes de pensarmos em projetos, em ideias, é fundamental a compreensão da demanda social e a participação ativa do público a ser beneficiado. Pesquisas, conversas, uma compreensão maior dos comportamentos e rotinas do público, são passos importantes para tirarmos conclusões e mitigar o efeito de nossos vieses sobre uma solução. Claro que, ao executar esses passos, essa parceira poderia chegar à conclusão de que sua ideia e hipótese inicial eram válidas e, de fato, ela deveria seguir um caminho de oferta de formações para essas mulheres. A diferença aqui é que a demanda foi validada e não é apenas uma idealização. 

Ler nas entrelinhas

Na semana seguinte à nossa conversa, mediamos um Encontro de Impacto com nossa Comunidade Conexões. O tema era Diagnóstico Social e trocamos algumas práticas e ferramentas. Em uma das discussões surgiu o termo “ler nas entrelinhas”. De fato, essa etapa inicial de investigação de uma demanda social exige essa leitura nas entrelinhas. Exige uma atenção para além daquilo que estamos observando. E, principalmente, exige uma curiosidade em buscar as raízes daqueles contextos.

O Encontro de Impacto sobre Diagnóstico Social foi facilitado pela Amanda Gogola, líder do portfólio de educação na ASID Brasil. Você pode conferir a gravação na íntegra neste endereço.

Se você e sua equipe estão nesta fase de diagnosticar alguma demanda social, aqui vão algumas dicas:

  1. Busque uma gestão participativa, envolvendo diferentes públicos relacionados com a demanda em questão;

  2. Pesquise, converse com o público envolvido. Preste atenção para que você não entre em julgamentos nesta etapa. Toda informação é válida sem a necessidade de tirar conclusões ainda;

  3. O modelo dos “5 Porquês” é uma boa forma de aprofundar nestas conversas e observações;

  4. Estruturar essas informações em uma “árvore de problemas” pode ajudar a compreender melhor as relações de causas e efeitos;

  5. Foque nas necessidades, comportamentos, rotinas e expectativas do público-alvo. Ferramentas como o Mapa da Empatia, Canvas da Proposta de Valor, Jornada ou Experiência de Usuários, são boas ferramentas para ajudar nessa etapa. Você pode conhecê-las aqui neste endereço;

  6. Use um “mapa de priorização de problemas” para ajudar em um plano de ação e na definição qual demanda específica será alvo da sua intervenção.

Todas essas informações poderão ser usadas também para elaboração de projetos e editais, apresentações para captação de recursos, definição de indicadores de impacto social, alinhamento com equipes de projetos e alinhamento com a comunidade local beneficiada.

Na próxima vez em que você se deparar com alguma demanda local, investigue, converse e, claro, leia nas entrelinhas.

Leonardo Mesquita
ASID Brasil 2023

Sobre o autor:

Leonardo Mesquita é especialista em Gestão de Projetos Sociais e certificado em Lideranças de Inovações Sociais. É graduado em Engenharia de Computação e há 7 anos atua na ASID Brasil, liderando articulações de comunidades e processos de inovação social dentro da causa da pessoa com deficiência. Já esteve envolvido na coordenação de programas de voluntariado. Léo escreve sobre inovação social, ODS e como conectamos essas pautas com a causa da pessoa com deficiência.

 

Sobre a ASID Brasil:

A ASID Brasil é uma ONG que promove a inclusão socioeconômica da população com deficiência. Através dos pitches e pesquisas, a ASID Brasil entende melhor o cenário para oferecer sempre uma solução bem segmentada e focada nas dores dos beneficiários. Nossa literatura é uma forma de inovação social e bom uso de informações e dados para impactar o ecossistema de inclusão. Somos agentes empreendedores que alcançam a excelência realizando mudanças sociais movido a metodologias, estudos e inteligência plural.

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