Diversidade e Literatura #01 - Coluna de Edilayne Ribeiro

A coluna Diversidade e Literatura, escrita por Edilayne Ribeiro, busca conectar a literatura da pauta de diversidade e inclusão. Todo mês, Edilayne seleciona uma obra literária e traz sua análise pessoal, compartilhando importantes pontos de reflexão.

Na Coluna de novembro, Edi traz reflexões de uma obra de 1985, chamada “O que são pessoas deficientes”, de João Baptista Cintra Ribas.

Você já imaginou como era o mundo sem a inclusão?

Foi essa a pergunta que ficou ressoando em minha cabeça a partir da leitura de uma obra de 1985, chamada “O que são pessoas deficientes”, de João Baptista Cintra Ribas.

Ao pegar o livro pela primeira vez, pequeno como um manual de instruções, com suas páginas amareladas e uma diagramação com margens e fonte tamanho 14 – digna de livros antigos! –, eu não imaginei o quão grande em reflexões ele seria! Leituras antigas sobre pessoas com deficiência são sempre impactantes, principalmente pela linguagem. E eu, que tenho como base de estudo a linguagem, rapidamente me intriguei com o título “o que são pessoas deficientes”. Não deveria ser “quem…”?

Fiquei esperando que houvesse uma sacada inteligente do autor a respeito da coisificação de pessoas, algum jogo de palavras, mas isso não aconteceu… E foi a primeira lição que o livro me trouxe: com a mudança dos tempos, muda-se também a percepção do que é uma deficiência e, consequentemente, o significado social que isso carrega. Por mais que nos doa.

Continuei com certa resignação, especialmente ao ir encontrando algumas expressões que hoje em dia lutamos para abolir de nosso vocabulário (ex.: a Síndrome de Down que, naquela época, era chamada de “mongolismo”). Eu tinha certeza que iria desgostar do livro, e já me planejava para revolucionárias problematizações. Mas, para uma nova surpresa, não foi bem assim! O início do segundo capítulo dizia o seguinte: “No Brasil não existem pesquisas para sabermos quantos deficientes existem ao certo e quais são suas deficiências.

Ter lido isso me trouxe uma alegria futurística inexplicável por saber que, aqui em 2023, já temos diversas pesquisas com dados sobre pessoas com deficiência, inclusive uma extremamente recente (2022) da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), que aponta que no Brasil há 18,6 milhões de pessoas com deficiência com dois anos ou mais, o que representa 8,9% da população. A pesquisa, ainda, se preocupa em mapear pessoas com deficiência por recortes de região, educação, trabalho, tipos de dificuldade e outros… Ou seja: de 1985 pra cá, já temos algumas coisas! E nada disso seria possível sem passar pelo processo de não ter coisa alguma!

O ponto alto da leitura aconteceu quando me deparei com os conceitos de exclusão… Segregação… Integração… Que acabaram por aí! Cadê o conceito de inclusão?! E foi então que um novo insight gerou mais uma lição aprendida: para que os tempos mudassem, precisou haver um limite, e o limite neste caso foi viver em um mundo em que apenas integrar já não fazia mais sentido. Era necessário incluir! E assim, a partir da década de 90, surgiu esse novo conceito.

A Psicologia diz que dar nome às coisas é o princípio para que elas existam, e essa ideia faz muito sentido com o que foi lido. O livro começa a andar em círculos nos estigmas daquela época, como o das pessoas com deficiência em instituições; o de que todo tipo de deficiência indicava também uma limitação cognitiva; sexualidade desenfreada; precarização do trabalho; assistencialismo; e por aí vai… Pois era o que se vivia na época. Não se questionava quase nada além disso! E, portanto, não se nomeava quase nada para superar isso!

Como era o mundo sem a inclusão!? Ora, pois, a palavra “inclusão” já existia muito antes de ser relacionada à pauta da pessoa com deficiência. Mas, etimologicamente, “inclusão” vem do latim “includere”, que significa “pôr alguém ou algo dentro de um espaço”. Então será mesmo que essa é a melhor palavra para definir o que se passa (ou não) com a pessoa com deficiência? Ter me deparado com um mundo (conceitual) sem a inclusão fez reforçar a minha opinião de que os tempos continuarão mudando, e que no futuro poderá existir uma nova palavra que abrigue a nossa realidade, que abra espaço para lutas mais conscientes, que priorize a autonomia e vida digna da pessoa com deficiência, que respeite verdadeiramente nossos gostos e vontades.

Não foi fácil ter lido tão a fundo a diferente realidade de 40 anos atrás. Assim como não é fácil ler expressões como “deficiente”, “mongol”, “retardado”, “especial”, e outros deslizes da linguagem… Isso exige de mim aquela pausa na respiração, aquele engolir em seco e um sorriso amarelo para conseguir continuar. Mas é exatamente esse exercício que devemos fazer sempre que possível, ao entender os passos – muitas vezes lentos – da história: apoiar-nos no passado nos dá o impulso necessário para transformar o que vem pela frente; é o caminho que precisamos para justificar a importância das mudanças.

A mudança na linguagem e nas práticas sociais não deve ser encarada como um ataque ao passado, mas sim como a possibilidade de reflexo do progresso e da busca por um mundo com maior inclusão possível. 

Inclusão ou…?

Edilayne Ribeiro 
ASID Brasil – 2023

Sobre a autora:

Edilayne Ribeiro é psicóloga, especialista em Neuropsicologia e mestra em Educação, membra da Comissão de Educação Inclusiva da Universidade Tuiuti do Paraná e palestrante nos temas pessoa com deficiência e sexualidade. Atualmente é Líder na ASID em Projetos de inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.

Sobre a ASID Brasil:

A ASID Brasil é uma ONG que promove a inclusão socioeconômica da população com deficiência. Através dos pitches e pesquisas, a ASID Brasil entende melhor o cenário para oferecer sempre uma solução bem segmentada e focada nas dores dos beneficiários. Nossa literatura é uma forma de inovação social e bom uso de informações e dados para impactar o ecossistema de inclusão. Somos agentes empreendedores que alcançam a excelência realizando mudanças sociais movido a metodologias, estudos e inteligência plural.

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